quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
Espero..
É de vidro o meu peito, é de vidro e parte, parte para bem longe, e desfaz-se nas minhas mãos. Que lâminas estranhas essas que usas para dilacerar as minhas células! Que pérfido sorriso esse, que emanas por tão bela alma, que luzes brilhantes as que te incêndeiam a aura. Um abraço! Que mais me resta pedir-te? Apenas um abraço, um que não rasgue os meus musculos, que nao destrua as minhas veias, apenas um abraço, um tão forte que me esmague o ser, um tão forte que me faça desaparecer, um tão meigo que me faça sentir teu.
Esconde os punhais, deixa de lado essa mesa de tortura em que te recrias com os meus demónios.. Vem apaziguar este resto que há em mim, vem lançar água neste solo seco e farto em pegadas. Desde sempre deambulou nele um espectro de nós.. marcando a fogo cada passo.
Estou cansado, doem-me estas cartilagens velhas, estes ossos impuros, e sinto que mais um nervo se me rasga.. Estou velho, sinto me velho... A velhice segundo dizem é um posto, mas um posto de quê? De amargura e devaneio? De procura pela idade perdida? De deleite e harmonia?
Não sinto nada disto.. sinto apenas este mofo que me infecta cada poro como se estivesse morto, sinto apenas este peso de um cadáver que se nega a cair no chão.. Estarei vivo sequer? Julgo que sim, no entanto sinto me frio, sinto me muito frio, tão frio que me congelam os sentidos, tão frio que me é negado continuar.. Vou esperar, continuarei a esperar.. imagino que algum dia será a minha vez.. Vez de sentir aquele calor que emana a tua pele, aquele aroma a inocência perdida, aquele aroma a ti...
domingo, 18 de janeiro de 2009
Cântico Negro
José Régio
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
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